18 novembro, 2020

O PATINHO FEIO


 HANS CHRISTIAN ANDERSEN

    A mamãe pata tinha escolhido um lugar ideal para fazer seu ninho: um cantinho bem protegido no meio da folhagem, perto do rio que contornava o velho castelo. Mais adiante se estendiam o bosque e um lindo jardim florido.

    Naquele lugar sossegado, a pata agora aquecia pacientemente seus ovos. Por fim, após a longa espera, os ovos se abriram um após o outro, e das cascas rompidas surgiram, engraçadinhos e miúdos, os patinhos amarelos que, imediatamente, saltaram do ninho.

    Porém um dos ovos ainda não se abrira; era um ovo grande, e a pata pensou que não o chocara o suficiente. Impaciente, deu umas bicadas no ovão e ele começou a se romper.

    No entanto, em vez de um patinho amarelinho, saiu uma ave cinzenta e desajeitada. Nem parecia um patinho.

    Para ter certeza de que o recém-nascido era um patinho, e não outra ave, a mãe-pata foi com ele até o rio e o obrigou a mergulhar junto com os outros.

    Quando viu que ele nadava com naturalidade e satisfação, suspirou aliviada. Era só um patinho muito, muito feio. Tranquilizada, levou sua numerosa família para conhecer os outros animais que viviam nos jardins do castelo.

    Todos parabenizaram a pata: a sua ninhada era realmente bonita. Exceto um. O horroroso e desajeitado das penas cinzentas!

— É grande e sem graça! — falou o peru.

— Tem um ar abobalhado — comentaram as galinhas.

    O porquinho nada disse, mas grunhiu com ar de desaprovação.

    Nos dias que se seguiram, as coisas pioraram. Todos os bichos, inclusive os patinhos, perseguiam a criaturinha feia. A pata, que no princípio defendia aquela sua estranha cria, agora também sentia vergonha e não queria tê-lo em sua companhia.

    O pobre patinho crescia só, mal cuidado e desprezado. Sofria. As galinhas o bicavam a todo o instante, os perus o perseguiam com ar ameaçador e até a empregada, que diariamente levava comida aos bichos, só pensava em enxotá-lo.

    Um dia, desesperado, o patinho feio fugiu. Queria ficar longe de todos que o perseguiam.

    Caminhou, caminhou e chegou perto de um grande brejo, onde viviam alguns marrecos. Foi recebido com indiferença: ninguém ligou para ele. Mas não foi maltratado nem ridicularizado; para ele, que até agora só sofrera, isso já era o suficiente.

    Infelizmente, a fase tranquila não durou muito. Numa certa madrugada, a quietude do brejo foi interrompida por um tumulto e vários disparos: tinham chegado os caçadores!

    Muitos marrequinhos perderam a vida. Por um milagre, o patinho feio conseguiu se salvar, escondendo-se no meio da mata.

    Depois disso, o brejo já não oferecia segurança; por isso, assim que cessaram os disparos, o patinho fugiu de lá.

    Novamente caminhou, caminhou, procurando um lugar onde não sofresse. Ao entardecer, chegou a uma cabana.

    A porta estava entreaberta, e ele conseguiu entrar sem ser notado. Lá dentro, cansado e tremendo de frio, encolheu-se num cantinho e logo dormiu.

    Na cabana morava uma velha, em companhia de um gato, especialista em caçar ratos, e de uma galinha, que todos os dias botavam o seu ovinho. Na manhã seguinte, quando a dona da cabana viu o patinho dormindo no canto, ficou toda contente.

— Talvez seja uma patinha. Se for, cedo ou tarde botará ovos, e eu poderei preparar cremes, pudins e tortas, pois terei mais ovos. Estou com muita sorte! Mas o tempo passava, e nenhum ovo aparecia. A velha começou a per-

    Der a paciência. A galinha e o gato, que desde o começo não viam com bons olhos o recém-chegado, foram ficando agressivos e briguentos.

    Mais uma vez, o coitadinho preferiu deixar a segurança da cabana e se aventurar pelo mundo. Caminhou, caminhou e achou um lugar tranquilo perto de uma lagoa, onde parou.

    Enquanto durou a boa estação, o verão, as coisas não foram muito mal. O patinho passava boa parte do tempo dentro da água e lá mesmo encontrava alimento suficiente.

    Mas chegou o outono. As folhas começaram a cair, bailando no ar e pousando no chão, formando um grande tapete amarelo. O céu se cobriu de nuvens ameaçadoras e o vento esfriava cada vez mais. Sozinho, triste e esfomeado, o patinho pensava preocupado, no inverno que se aproximava.

    Num final de tarde, viu surgir entre os arbustos um bando de grandes e lindíssimas aves. Tinham as plumas alvas, as asas grandes e um longo pescoço, delicado e sinuoso: eram cisnes, emigrando na direção de regiões quentes. Lançando estranhos sons, bateram as asas e levantaram voo, bem alto.

    O patinho ficou encantado, olhando a revoada, até que ela desaparecesse no horizonte. Sentiu uma grande tristeza, como se tivesse perdido amigos muito queridos.

    Com o coração apertado, lançou-se na lagoa e nadou durante longo tempo. Não conseguia tirar o pensamento daquelas maravilhosas criaturas, graciosas e elegantes. Foi se sentindo mais feio, mais sozinho e mais infeliz do que nunca.

    Naquele ano, o inverno chegou cedo e foi muito rigoroso. O patinho feio precisava nadar ininterruptamente, para que a água não congelasse em volta de seu corpo, criando uma armadilha mortal. Mas era uma luta contínua e sem esperança. Um dia, exausto, permaneceu imóvel por tempo suficiente para ficar com as patas presas no gelo.

— Agora morrerei — pensou. — Assim, terá fim todo meu sofrimento.

    Fechou os olhos, e o último pensamento que teve antes de cair num sono parecido com a morte foi para as grandes aves brancas.

    Na manhã seguinte, bem cedo, um camponês que passava por aqueles lados viu o pobre patinho, já meio morto de frio. Quebrou o gelo com um pedaço de pau, libertou o pobrezinho e levou-o para sua casa.

    Lá o patinho foi alimentado e aquecido, recuperando um pouco de suas forças. Logo que deu sinais de vida, os filhos do camponês se animaram:

— Vamos fazê-lo voar!

— Vamos escondê-lo em algum lugar!

    E seguravam o patinho, apertavam-no, esfregavam-no. Os meninos não tinham más intenções; mas o patinho, acostumado a ser maltratado, atormentado e ofendido, assustou-se e tentou fugir. Fuga atrapalhada!

    Caiu de cabeça num balde cheio de leite e, esperneando para sair, derrubou tudo. A mulher do camponês começou a gritar, e o pobre patinho se assustou ainda mais.

    Acabou se enfiando no balde da manteiga, engordurando-se até os olhos, e finalmente se enfiou num saco de farinha, levantando uma poeira sem fim.

    A cozinha parecia um campo de batalha. Fora de si, a mulher do camponês pegara a vassoura e procurava golpear o patinho. As crianças corriam atrás do coitadinho, divertindo-se muito.

    Meio cego pela farinha, molhado de leite e engordurado de manteiga, esbarrando aqui e ali, o pobrezinho por sorte conseguiu afinal encontrar a porta e fugir, escapando da curiosidade das crianças e da fúria da mulher.

    Ora esvoaçando, ora se arrastando na neve, ele se afastou da casa do camponês e somente parou quando lhe faltaram as forças.

    Nos meses seguintes, o patinho viveu num lago, abrigando-se do gelo onde encontrava relva seca.

    Finalmente, a primavera derrotou o inverno. Lá no alto, voavam muitas aves. Um dia, observando-as, o patinho sentiu um inexplicável e incontrolável desejo de voar. Abriu as asas, que tinham ficado grandes e robustas, e pairou no ar.

    Voou. Voou. Voou longamente, até que avistou um imenso jardim repleto de flores e de árvores; do meio das árvores saíram três aves brancas.

    O patinho reconheceu as lindas aves que já vira antes e sentiu-se invadir por uma emoção estranha, como se fosse um grande amor por elas.

— Quero me aproximar dessas esplêndidas criaturas — murmurou. — Talvez me humilhem e me matem a bicadas, mas não importa. É melhor morrer perto delas do que continuar vivendo atormentado por todos.

    Com um leve toque das asas, abaixou-se até o pequeno lago e pousou tranquilamente na água.

— Podem matar-me, se quiserem — disse resignado, o infeliz.

    E abaixou a cabeça, aguardando a morte. Ao fazer isso, viu a própria imagem refletida na água, e seu coração entristecido deu um pulo. O que via não era a criatura desengonçada, cinzenta e sem graça de outrora. Enxergava as penas brancas, as grandes asas e um pescoço longo e sinuoso. Ele era um cisne! Um cisne, como as aves que tanto admirava.

— Bem-vindo entre nós! — disseram-lhe os três cisnes, curvando os pescoços, em sinal de saudação.

    Aquele que num tempo distante tinha sido um patinho feio, humilhado, desprezado e atormentado sentia-se agora tão feliz que se perguntava se não era um sonho! Mas não! Não estava sonhando. Nadava em companhia de outros, com o coração cheio de felicidade.

    Mais tarde, chegaram ao jardim três meninos, para dar comida aos cisnes. O menorzinho disse surpreso:

— Tem um cisne novo! E é o mais belo de todos! E correu para chamar os pais.

— É mesmo uma esplêndida criatura! — disseram os pais.

    E jogaram pedacinhos de biscoito e de bolo. Tímido diante de tantos elogios, o cisne escondeu a cabeça embaixo da asa.

    Talvez um outro, em seu lugar, tivesse ficado envaidecido. Mas não ele. Seu coração era muito bom, e ele sofrera muito antes de alcançar a sonhada felicidade.