19 agosto, 2020

O GATO DE BOTAS - IRMÃOS GRIMM

    O GATO DE BOTAS

IRMÃOS GRIMM

UM LAVRADOR TRABALHARA MUITO, DURANTE A VIDA TODA, GANHANDO SEMPRE O SUFICIENTE PARA O SUSTENTO DA FAMÍLIA. QUANDO FALECEU, DEIXOU SUA HERANÇA PARA OS FILHOS: UM SÍTIO, UM BURRINHO E UM GATO. AO FILHO MAIS VELHO COUBE O SÍTIO; AO SEGUNDO, O BURRINHO; E O CAÇULA FICOU COM O GATO.

ESTE ÚLTIMO, NADA SATISFEITO COM O QUE LHE COUBERA, RESMUNGOU: “MEUS IRMÃOS SOBREVIVERÃO HONESTAMENTE”. MAS E EU? O QUE VOU FAZER? TALVEZ POSSA JANTAR O GATO E COM O COURO FAZER UM TAMBORIM. MAS E DEPOIS?”. O GATO LOGO ENDIREITOU AS ORELHAS, QUERENDO OUVIR MELHOR UM ASSUNTO DE TAMANHO INTERESSE. ENTÃO, PERCEBENDO QUE PRECISAVA AGIR, FOI DIZENDO:

— NÃO SE DESESPERE, PATRÃOZINHO, POIS EU TENHO UM PLANO. CONSIGA-ME UM PAR DE BOTAS E UM SACO DE PANO E DEIXE O RESTO COMIGO.

O JOVEM ACHOU QUE VALERIA A PENA TENTAR; AFINAL, O GATO PARECIA INTELIGENTE E ASTUTO. DEU-LHE ENTÃO UM SACO E UM PAR DE BOTAS, DESEJOU-LHE MUITO BOA SORTE E DEIXOU-O PARTIR.

O GATO DIRIGIU-SE A UMA MATA NA QUAL SABIA QUE VIVIAM COELHOS DE CARNE DELICIOSA. MAS ERAM BICHOS DIFÍCEIS DE APANHAR. O ESPERTO BICHANO ENFIOU NO SACO UM PUNHADO DE FARELO E OUTRO DE CAPIM. DEIXOU O SACO NO CHÃO E FICOU BEM PERTINHO, IMÓVEL, À ESPERA DE QUE ALGUM COELHO JOVEM E INEXPERIENTE CAÍSSE NA ARAPUCA.

NOSSO GATO ESPEROU PACIENTEMENTE. POR FIM, VIU SUAS ESPERANÇAS SE TORNAREM REALIDADE: UM COELHINHO SE ENFIOU NO SACO, ATRAÍDO PELO CHEIRO DO FARELO, E COMEÇOU A COMER TRANQUILA E GOSTOSAMENTE.

RÁPIDO COMO UM RELÂMPAGO, O FELINO PASSOU UM CORDÃO NA ABERTURA DO SACO E PRENDEU O COELHO. COM A CAÇA NAS COSTAS, DIRIGIU-SE AO PALÁCIO REAL.

— QUERO FALAR COM O REI — DISSE AOS GUARDAS, COM ARES DE MUITA IMPORTÂNCIA.

FOI CONDUZIDO À PRESENÇA REAL. AFINAL, NÃO ERA SEMPRE QUE APARECIA UM GATO PEDINDO AUDIÊNCIA.

NA PRESENÇA DO SOBERANO, O GATO SE CURVOU EM RESPEITOSO CUMPRIMENTO.

— MAJESTADE! MEU PATRÃO, O MARQUÊS DE SACOBOTAS, ENCARREGOU-ME DE OFERECER-LHE ESTE COELHO, CAÇADO NAS MATAS DE PROPRIEDADE DELE.

O REI, QUE APRECIAVA MUITO CARNE DE COELHO, ALEGROU-SE COM O PRESENTE:

— DIGA A SEU PATRÃO QUE AGRADEÇO MUITO A GENTILEZA.

ALGUNS DIAS DEPOIS, O GATO APANHOU DUAS GRANDES ROLINHAS NUMA EMBOSCADA, NUM CAMPO DE MILHO. GUARDOU AS AVES NO SACO E FOI LOGO LEVÁ-LAS AO REI.

O REI ACEITOU COM TODO PRAZER ESSA SEGUNDA OFERTA, POIS ADORAVA CARNE DE ROLINHA!

NOS MESES SEGUINTES, O GATO CONTINUOU INDO À CORTE PARA LEVAR CAÇAS AO REI, SEMPRE AGRADANDO MUITO AO PALADAR DO SOBERANO. A CADA NOVO PRESENTE, AFIRMAVA QUE AS CARNES VINHAM DAS TERRAS DE SEU PATRÃO, O MARQUÊS DE SACOBOTAS.

UM DIA, QUANDO ESTAVA SAINDO DO PALÁCIO, ESCUTOU A CONVERSA DE DOIS CRIADOS:

— AMANHÃ O REI PASSARÁ DE CARRUAGEM PELAS MARGENS DO RIO, JUNTO COM SUA FILHA, A MAIS BELA MOÇA DE TODO O REINO.

O GATO CORREU LOGO AO PATRÃO, DIZENDO:

— PATRÃOZINHO, SE SEGUIR MEUS CONSELHOS PODERÁ SE TORNAR RICO, NOBRE E FELIZ.

— E O QUE DEVEREI FAZER? — PERGUNTOU O JOVEM PATRÃO, CONFIANTE NO GATO QUE HERDARA.

— AMANHÃ VOCÊ DEVERÁ IR AO RIO E TOMAR BANHO NO LUGAR EXATO EM QUE EU INDICAR. O RESTO, DEIXE COMIGO.

NO DIA SEGUINTE, ENQUANTO SE BANHAVA NAS ÁGUAS DO RIO, O RAPAZ VIU SE APROXIMAR O REI, ACOMPANHADO PELA PRINCESA E POR ALGUNS NOBRES. O GATO, QUE LÁ ESTAVA À ESPERA, SAIU DE TRÁS DE UMA MOITA E COMEÇOU A GRITAR, COM TODO O FÔLEGO:

— SOCORRO! SOCORRO! AJUDEM O MARQUÊS DE SACOBOTAS, ELE ESTÁ SE AFOGANDO NO RIO! AJUDEM!

O REI ESCUTOU OS GRITOS E RECONHECEU O GATO QUE TANTAS VEZES LHE LEVARA CARNES DELICIOSAS. IMEDIATAMENTE DEU ORDEM AOS GUARDAS PARA QUE CORRESSEM E ACUDISSEM O MARQUÊS DE SACOBOTAS.

ENQUANTO O JOVEM ESTAVA SENDO RETIRADO DO RIO, NOSSO GATO SE APROXIMOU DA CARRUAGEM REAL DIZENDO, COM O AR MAIS ENTRISTECIDO DO MUNDO:

— MAJESTADE, MEU PATRÃO ESTAVA TOMANDO BANHO NO RIO E CHEGARAM UNS LADRÕES, QUE LEVARAM TODA A ROUPA DELE. E AGORA, COMO ELE PODERÁ APRESENTAR-SE A VOSSA MAJESTADE INTEIRAMENTE NÚ?

NA VERDADE, O GATO, MUITO VIVO, HAVIA ESCONDIDO OS TRAPOS DO MOÇO EMBAIXO DE UMAS PEDRAS… MAS O REI, PENALIZADO, ORDENOU A UM DE SEUS GUARDAS QUE CORRESSE AO PALÁCIO E PEGASSE UMAS ROUPAS PARA O POBRE MARQUÊS ESPOLIADO.

A ROUPA TRAZIDA ERA ESPLÊNDIDA. COM ELA, O FALSO MARQUÊS, QUE ALIÁS ERA UM JOVEM BEM BONITO, FICOU COM ÓTIMA APARÊNCIA. LOGO A PRINCESA SE APAIXONOU PELO JOVEM, E O REI CONVIDOU-O A SUBIR NA CARRUAGEM, PARA JUNTOS CONTINUAREM O PASSEIO.

MAS E O GATO? O GATO, CONTENTE COM O SUCESSO INICIAL DE SEU PROJETO, CORREU NA FRENTE DA CARRUAGEM, QUE AVANÇAVA LENTAMENTE.

UM POUCO ADIANTE, VIU UM GRUPO DE LAVRADORES CAPINANDO. O GATO FEZ UMACARETA BEM FEIA E GRITOU COM UM VOZEIRÃO AMEAÇADOR:

— ATENÇÃO! O REI PASSARÁ AQUI JÁ, JÁ! SE VOCÊS NÃO DISSEREM QUE ESSE CAMPO PERTENCE AO MARQUÊS DE SACOBOTAS, SERÃO TODOS DEMITIDOS!

ASSUSTADÍSSIMOS, OS COITADOS JURARAM QUE OBEDECERIAM. QUANDO O REI, CURIOSO, PERGUNTOU AOS LAVRADORES A QUEM PERTENCIA AQUELE BELO CAMPO, ESTES RESPONDERAM A UMA SÓ VOZ:

— AO SENHOR MARQUÊS DE SACOBOTAS!

E O REI PARABENIZOU SEU CONVIDADO PELA BELEZA E FERTILIDADE DE SUAS TERRAS.

ENQUANTO ISSO, NOSSO GATO, SEMPRE BEM À FRENTE DA COMITIVA REAL, PAROU NUM CANAVIAL EM QUE CAMPONESES CEIFAVAM.

— ATENÇÃO! DAQUI A POUCO O REI PASSARÁ POR AQUI. VOCÊS VÃO DIZER A ELE QUE ESTE CANAVIAL PERTENCE AO MARQUÊS DE SACOBOTAS. SE NÃO DISSEREM, SERÃO TODOS PRESOS.

ASSUSTADOS, OS CORTADORES DE CANA PROMETERAM OBEDECER.

E ASSIM FIZERAM TAMBÉM OS CRIADORES DE PORCOS, OS VAQUEIROS, OS CULTIVADORES DE UVAS E TANTOS MAIS QUE O GATO ENCONTROU EM SEU CAMINHO.

TUDO PERTENCIA AO MARQUÊS DE SACOBOTAS! E A ESTIMA DO REI PELO NOVO NOBRE CRESCIA A CADA QUILÔMETRO PERCORRIDO.

SEMPRE À FRENTE, O GATO CHEGOU A UM CASTELO NO QUAL VIVIA UM TERRÍVEL MAGO, MUITO RICO. A ELE PERTENCIAM TODAS AS TERRAS QUE O ESPERTO GATO ATRIBUÍRA AO MARQUÊS DE SACOBOTAS!

O GATO SEM DÚVIDA PRECISAVA, COM URGÊNCIA, DE UMA NOVA IDEIA BRILHANTE. COMO IDEIAS NÃO LHE FALTAVAM, PENSOU UM POUQUINHO E PEDIU PARA SER LEVADO À PRESENÇA DO MAGO.

ASSIM QUE CHEGOU AO SALÃO, CURVOU-SE RESPEITOSAMENTE E COMEÇOU A FAZER ELOGIOS:

— EU ESTAVA PASSANDO POR ESTAS BANDAS, MEU SENHOR, E ACHEI QUE ERA MEU DEVER HOMENAGEAR O MAIS PODEROSO MAGO DA REGIÃO. OUVI FALAR QUE O SENHOR PODE SE TRANSFORMAR EM QUALQUER ANIMAL. MAS EU DUVIDO QUE ISTO SEJA VERDADE.

— QUER VER? — RESPONDEU O MAGO, IRRITADO COM A PROVOCAÇÃO.

EM UM INSTANTE, NO LUGAR DO MAGO ESTAVA UM LEÃO RUGINDO, COM SUA GRANDE BOCA ABERTA. O GATO LEVOU TAMANHO SUSTO QUE POR POUCO NÃO CAIU PARA TRÁS!

— E AGORA, ESTÁ CONVENCIDO, SEU GATO?

— BEM, SENHOR, ATÉ CERTO PONTO… NÃO DEVE TER SIDO TÃO DIFÍCIL, GRANDALHÃO COMO É, TRANSFORMAR-SE EM UM ANIMAL ENORME. EU SÓ QUERIA VER SE CONSEGUIA SE TRANSFORMAR EM UM ANIMAL PEQUENO, COMO UM RATINHO, POR EXEMPLO.

QUE TAL? CONSEGUE?

— EU CONSIGO ME TRANSFORMAR EM QUALQUER ANIMAL, OUVIU BEM? — GRITOU O MAGO.

E LOGO ELE VIROU UM RATINHO, QUE COMEÇOU A CORRER VELOZ PELA SALA TODA.

COM TODA A SUA ASTÚCIA, O GATO DEVOROU-O NUMA SÓ BOCADA.

A CARRUAGEM REAL JÁ ESTAVA CHEGANDO AO CASTELO. O REI, CURIOSO, QUIS VISITÁ-LO.

O MARQUÊS DE SACOBOTAS NEM SABIA O QUE FAZER. POR SORTE, O GATO LOGO APARECEU, CUMPRIMENTANDO:

— BEM-VINDO, MAJESTADE, AO CASTELO DO MARQUÊS DE SACOBOTAS.

O REI FICOU ADMIRADO.

— OH! NÃO ME DIGA, MARQUÊS, QUE TAMBÉM ESTE BELO CASTELO LHE PERTENCE?

E NÃO FALAVA NADA, HEIM?

O REI ENTROU NO CASTELO, ACOMPANHADO PELO MARQUÊS E PELA PRINCESA. NO SALÃO PRINCIPAL DO LUXUOSO CASTELO HAVIA UMA COMPRIDA MESA, NA QUAL JÁ ESTAVA SERVIDO UM MARAVILHOSO BANQUETE. OS RECÉM-CHEGADOS, INCLUSIVE O GATO, COMERAM E BEBERAM A FARTAR, SATISFAZENDO A FOME APÓS TÃO LONGO PASSEIO.

NO FINAL DA REFEIÇÃO, O REI, QUE JÁ ESTAVA PERCEBENDO OS OLHARES APAIXONADOS DA FILHA PARA O JOVEM MARQUÊS, TÃO RICO E TÃO BELO, DISSE:

— MEU CARO MARQUÊS... VEJO QUE MINHA FILHA TEM POR VOCÊ MUITA SIMPATIA.

SE SENTIR O MESMO POR ELA, ENTÃO LHE OFEREÇO SUA MÃO.

NÃO CABENDO EM SI DE FELICIDADE, O JOVEM LOGO RESPONDEU QUE SIM.

NAQUELE MESMO DIA FORAM CELEBRADAS AS BODAS, E O FILHO DO LAVRADOR SE TORNOU PRÍNCIPE.

E O GATO, AUTOR DE TANTA FORTUNA? ELE SE TORNOU UM SENHOR… E, SE DE VEZ EM QUANDO CAÇAVA ALGUM RATO, ERA POR PURA DIVERSÃO.


(ESCREVA NOS COMENTÁRIOS O QUE ACHOU DA HISTÓRIA E QUAL A MORAL)

Um comentário: